A PRESENÇA ÁRABE NOS 500 ANOS DA
AMÉRICA
IMIGRAÇÂO ÁRABE NO BRASIL
Com este primeiro evento Americano
-Árabe na cidade de Caracas -Venezuela, a Federação de Entidades
Americano - Árabes - Fearab América, dá início às festividades
em comemoração aos 500 anos do Descobrimento da América.
Toda festividade se nutre e cimenta
na memória pois revive, recorda, elabora e se apodera do passado
integrando - o ao presente.
Toda celebração traz uma nova
leitura do mesmo fato, reatualizando percepções e sensações
adormecidas e sobre uma nova ótica, inaugura um futuro, o devir.
Por tanto, ao festejar um fato passado, estamos celebrando a
esperança em um futuro ao qual nós traçaremos o seu contorno.
A Fearab América vem trabalhando há
mais de oito anos com as comemorações do V° Centenário.
Pesquisadores de diferentes países, americanos e árabes se
dedicaram ao tema do descobrimento, conquista, desenvolvimento,
integração e aculturação dos diferentes povos que para aqui
vieram.
A presença árabe na América e sua participação no
desenvolvimento deste continente é o objeto constante destas
pesquisa .
Consideramos este evento como um
fato, uma pausa para a reflexão sobre:
nossa pertinência americana
nossa raiz árabe
nosso vínculo ibérico
nossa tradição sírio libanesa
nossa identificação com os nativos
americanos
nossa solidariedade com todos os
povos que ajudaram a povoar e construir a América.
Em 1492
Colombo atracou suas naves na Baia de Santo Domingo. Este fato
denominado o "Descobrimento da América” pelos espanhóis não
é apenas um encontro extremo exemplar e paradigmático: ele possuí
um outro sentido de causalidade direta.
A história mundial é feita de
conquistas e derrotas, de colonizações e descobrimentos do “Outro”; mas é a conquista da América que anuncia e funda nossa
identidade presente.
Podemos afirmar que o início da era
moderna é 1492.
É nesse momento que começa nossa
genealogia. A partir deste momento descobrimos o "Outro”
e também nosso real tamanho. Descobrindo nosso real tamanho, nós
percebemos que os descobrimentos se acabaram, e constatamos que “o
mundo é pequeno" como declarou Colombo emCarta raríssima 7de julho de 1503.
O corpo físico do planeta se
completou, a parte que faltava havia sido encontrada e ao revelar-se
a outra metade o mundo inaugura um novo tempo com uma nova realidade
de espaço, de distancia, referência, clima e extensão territorial
Uma outra natureza se delineia e se
mostra. Novas espécies, nova fauna e nova flora, diferentes hábitos
e costumes se enfrentam, se estranham e se entranham.
Por estas e outras razões não
consideramos estas comemorações somente americanas, espanholas ou
portuguesas. O mundo festeja os quinhentos anos do encontro de suas
duas metades:
- a América descobre o velho mundo
- o Velho Mundo descobre a América
- o Velho Mundo descobre a amplitude
de espaço e riquezas que lhe eram negados nos velhos continentes.
América, também descobre uma outra
riqueza cultural, produto do intercâmbio de raças e culturas que por
milênios transitaram entre Ásia, África e Europa. A bagagem
científica, tecnológica, política e administrativa do Velho Mundo foi a aquisição valiosíssima que a América ganhou.
Da mesma maneira que a natureza
atrai e irradia vida e plenitude, também rechaça e expulsa muitos
de seus filhos. Impõe-se hoje a nós pensadores e investigadores do
V° Centenário fazer uma reflexão sobre estes quinhentos anos que
promoveu um novo horizonte à humanidade.
Este período não proporcionou só
abundância e riquezas, mas trouxe também consigo enfermidades,
revoltas e massacres vividos tanto pela população autóctone como
pelos primeiros colonizadores e também imigrantes.
Flagrantes Árabes na Imigração
Não é possível compreender e medir
a presença árabe na América partindo de uma linearidade histórica
descritiva. Gera perplexidade ao pesquisador a
discrepância existente entre os elementos atribuídos à presença
árabe na América em seu aspecto cultural, político, social,
econômico e científico quando contraposto à quase ausência de
registros, estudos e documentos que confirmam esta presença.
Fontes autorizadas em estatísticas
estimam que dez por cento da população americana é de origem
árabe. Não vamos nos deter nestes números pois o nosso foco é
qualitativo:
nosso interesse é detectar como o
estilo, a ética, os sutis detalhes do árabe ficaram impregnadas
no estilo de vida americano.
No âmbito científico como no
literário está retratada a vida cotidiana do homem americano.
Seus hábitos e costumes nos
remetem a um outro tempo e lugar, a uma outra história: a presença
árabe na Europa , sua miscigenação na Península Ibérica e no
sul de Itália.
Para o investigador histórico da
presença árabe na América é mais fácil escrever a história
atual que se desenvolve dia a dia em cada país que conseguir um
registro ou uma citação de tal presença. No entanto, percebemos
como se um tabu impedisse a “revelação” desse movimento
histórico participativo.
A presença Árabe americana fez a
história, porém continua sem registro na história.
Ao estudarmos esta presença à
luz da moderna imigração, isto é , desde fins do século dezenove
até começo do século vinte nos enfrentamos com uma história
descritiva. Obras memoráveis como a construção de hospitais,
orfanatos, clubes, entidades de beneficência e outros, serviram
para a “elaboração do luto” fruto da dor causada pelo
afastamento dos seus países de origem.
Vemos a divisão e o sectarismo
atravessar o oceano e radicar-se aqui. O apego à terra natal
transporta ao país da imigração as diferenças e os regionalismos.
Constatamos que as novas gerações
repudiam essas práticas ancestrais e por não compreender a razão
de ser de tais hábitos, estão se afastando das tradições.
Negando sua pertinência ao seu
grupo, se instala o desenraizamento que por sua vez dá lugar à
desarticulação com o social. Essas pessoas descendentes de
imigrantes tentam uma miscigenação forçada com o meio em que
vivem procurando desesperadamente formar parte dele, pertencer a ele.
Dando continuidade aos flagrantes,
mudarei a cena e os conduzirei aos atuais Síria e Líbano.
Causou-me profunda estranheza ao
visitar sítios arqueológicos nesses países e perceber que os
povos que ali vivem, há muito tempo, não possuem nenhum vínculo
com os fatos de seu passado glorioso. Muito semelhante, me pareceu,
com a indiferença de peruanos e mexicanos frente às relíquias
históricas deixadas por seus antepassados indígenas.
Essa descontinuidade histórica e
cultural pode ser a causa subjacente geradora de toda a negação da
origem que o imigrante vive em sua vida diária. Desconhecendo seu
passado se coloca à margem de seu presente e da esperança no
futuro.
É necessário lembrar também,
para a compreensão desta análise, que os mesmos quinhentos anos que
comemoramos na América foram muito negativos para o povo árabe em
geral.
Foi em 1492 que os árabes foram expulsos de Granada, na Espanha, e se
dispersaram pelo mundo. Nesse mesmo período a região da Síria natural, estava
sob o domínio Otomano e assim se manteve por quatrocentos anos.
Este período sombrio da história
desse povo provocou grande perda da identidade nacional e como consequência seu
empobrecimento vital, econômico e político.
A deterioração das instituições
do Estado privou os cidadãos de um sistema de ensino
suficientemente amplo, reservando esse privilégio a uma reduzida
elite econômica.
A grande massa do povo, no
entanto, buscava a sobrevivência, condenada pela ausência de
condições para manifestar seu potencial produtivo.
Dois tipos de imigrantes chegaram
na América no final do século dezenove:
- o imigrante informado, culto, que abandona o
país por questões políticas e econômicas,
- o imigrante que saía em busca da segurança
e sobrevivência.
O primeiro tipo buscava na imigração, iluminar
sua mente e oxigenar seus pensamentos, procurando soluções
políticas, econômicas e sociais para o seu país de origem. Ele
saía da cena política pensando organizar os acontecimentos entre
bastidores. Um exemplo vivo dessa situação temos aqui no Brasil.
O começo da imigração documentada é de 1885 e o primeiro diário em idioma árabe,“Al – Fayad”, foi publicado na cidade de Campinas em1897.
Este exemplo ilustra bem a preocupação do
imigrante árabe que saiu em busca da expressão política, em busca
de seu direito de pensar e de encontrar soluções para seu povo e o
país de origem.
Os filhos desses imigrantes vivem comprometidos
com a realidade de seus pais e conhecem bem a história, seu valor
como imigrantes árabes e o significado de carregar em suas veias
seis mil anos de história da civilização. Pertencem e se
solidarizam tanto com sua parte árabe como com sua parte americana.
Entre eles temos excelentes profissionais
orgulhosos de sua origem e que divulgavam sua tradição e história.
Exercem participação ativa no seio da sociedade em que atuam e são
verdadeiros cidadãos americanos. Muitos deles representam a América
nos países árabes e os países árabes na América.
O segundo tipo, aquele que se viu expulso
da sua terra por razões de miséria e fome, emigrou, sofreu, se
ressentiu, porém ao chegar aqui, canalizou toda a sua força
produtiva represada e pode conquistar sua tão desejada
sobrevivência, segurança e por fim prosperidade.
Cabe aqui deixar claro alguns aspectos sobre
diferenças existentes entre os imigrantes europeus, asiáticos, e o
imigrante árabe.
Os italianos, alemães, japoneses, e outros
formaram parte de uma imigração organizada, projetada e protegida. Por outro lado a imigração árabe foi programada, dirigida, mas não
protegida; isto por que quando teve início a imigração, os atuais estados
árabes não existiam, razão pela qual não foram firmados acordos
tal como ocorreu com outros países de onde procedia também a
imigração.
Este fator, sem dúvida, depois de passados cem
anos de história imigratória, pode ser considerado como positivo,
pois obrigou o imigrante árabe a forjar-se a si mesmo e a suas
organizações sociais que protegiam os conterrâneos que chegavam
aos portos americanos.
No entanto se pudéssemos retroceder no tempo e
avaliar o sofrimento e dificuldade destas pessoas, que saindo da
região da Síria e do Líbano, tiveram que somar à dificuldade da
grande barreira idiomática, o clima do Brasil, a vegetação, a
alimentação, a religião, tudo lhes era estranho, diferente.
Tiveram que apreender a viver outra vez em outra terra e carregando
ainda na alma a nostalgia do que deixou para trás.
Continuo agora a lhes falar deste segundo tipo de
imigrante aquele que emigrou em busca da sobrevivência.
Para enfrentar todas as dificuldades inerentes à
imigração, buscou no trabalho, na produção, a forma de afastar-se
do mundo externo que lhe era desconhecido e hostil já que cabia a
ele um propósito: buscar a segurança e a prosperidade econômica.
Muitos deles ao seguir essa fórmula, se excederam
na dose, privando os seus familiares da presença paterna e por
conseguinte, da história e do mito que o pai representa.
Criaram famílias desarticuladas de seu passado.
Seus descendentes sentem-se estranhos, “inchados”, “
engrandecidos pelo dinheiro” porém sentindo a falta de base, da
origem, da história e da tradição.
Tentam integrar-se na
sociedade em que vivem, porém, como essa integração não é
espontânea, não atingem o objetivo totalmente. Desconhecem a música
e o folclore de seus pais e muitos sentem vergonha de serem árabes,
já que este vínculo atávico foi lhes negado pelo ressentimento
de seu pai.
Mantém o nome árabe, a comida, porém todo o
demais está totalmente perdido.
Na segunda geração desses imigrantes, a
desorientação é muito grande. Mais tarde, seus filhos, isto é, a
terceira geração, buscam na compreensão de suas raízes a
reintegração consigo mesmos e com suas origens. Usando uma
linguagem metafórica psicanalítica, buscam ansiosamente
reaproximarem-se e apoderarem-se das imagens fantasmáticas do
inconsciente do pai, para a partir desse, poder chegar a seu avô,
tão negado e anulado por seu pai.
Apresentado em Caracas,Venezuela,no início 1992.
Claude Fahd Hajjar
Diretora Cultural de Fearab América
Coordenadora do Vº Centenário de Fearab América -"Encontro de Duas Culturas"