sábado, 27 de setembro de 2014

Aspectos psicológicos decorrentes da imigração sírio libanesa

por Claude Fahd Hajjar
  1. Imigração como fator de ruptura da continuidade

A imigração é a saída do habitat natural onde o sujeito foi criado e onde suas raízes estão fincadas. Portanto imigrar é desenraizar.

Desenraizar é deixar para trás todas as pessoas, fatos, localidades, história, a casa, a escola, as árvores, enfim a natureza na qual foi criado o sujeito – A quitanda, a fruta, o queijo, o sabor.
-As árvores, as flores, a natureza, as pedras, o cheiro e o tato.
- O mar, a mãe, o pai, suas relações e seus aconchegos o cheiro, o tato, o olhar, o sabor.
- A língua, , a metáfora, a piada, as histórias contadas por seu avô, os acontecimentos sociais, políticos, econômicos- deixa para trás o seu ouvir.
Assim, ao imigrar ele abandona , rompe , se afasta de seus cinco sentidos básicos que o constituem enquanto sujeito humano e que até aquele momento foram primordiais para ele. Vive sem se aperceber do luto, da perda, da melancolia do que fora obrigado a deixar para trás, mas que na realidade psíquica ele trás inscrito dentro dele, na memória, no inconsciente, na lalíngua conforme Lacan.


II-Como é vivida a experiência da imigração psiquicamente


O imigrante, nos primeiros tempos de sua chegada ao novo habitat encontra-se sob o impacto do novo, novo espaço, novos conhecimentos, e também uma nova língua. Neste período ainda não pode avaliar todas as dificuldades que o aguardam : ainda sob o efeito esfuziante da elação, está eufórico, sente-se acolhido, recebido , o centro das atenções
A fixação
O processo de fixação traz consigo as primeiras responsabilidades, as primeiras cobranças, e a necessidade de buscar por si só a sua independência: entra em contato com o desconhecido, no idioma, na localização e direção. Toma consciência da sua dificuldade de circular e se comunicar como na terra natal.
O esforço desprendido é grande para a captação e tradução e compreensão do novo cotidiano. É o primeiro momento em que ele toma consciência da necessidade do outro, o seu conterrâneo e também o seu interlocutor na nova sociedade. Ele se apercebe como dependente, portanto um sujeito já não tão “livre” quanto sua fantasia lhe iludia antes de imigrar. Imigrar antes significava partir, libertar-se, voar.
Imigrar hoje significa se adaptar-se limitar-se e fixar-se.


A natureza psíquica do ser humano possuí mecanismos próprios de auto - preservação do ”eu”.
Com referência aos acontecimentos externos, o ser humano possuí o seu ego ,o si mesmo, que desempenha a função de ir integrando o sujeito à nova realidade física e psíquica.
Papel do Ego:
O ego desempenha a função de:
  1. Armazena as experiências resultantes das experiências vividas - memória
  2. Evita estímulos excessivamente intensos ( fuga)
  3. Lida com os estímulos moderados (adaptação)
  4. Aprende a produzir modificações convenientes no mundo externo, em seu próprio benefício – ação
Para a busca da melhor adaptação à realidade, o imigrante se utiliza de mecanismos de defesa – capacidade de aliviar um pouco a dor do impacto de toda a nova pressão cultural na qual está inserido e do qual não conhece suas matizes essenciais. Esse novo habitat não se resume apenas nas novas pessoas, novas ruas, nova casa, novos cheiros, novos sons, novo tato ou novo olhar.
O mais forte e brusco na realidade é a ausência de tudo aquilo que ele não viveu. Naquele novo habitat, é a história pregressa da cidade, dos novos amigos, é o processo econômico, político e social que lhe são estranhos e estão ausentes de sua memória. Em termos de Brasil ele é limpo, branco, sem memória e sem história.
A sua história , a que carrega consigo é de um outro lugar , a experiência histórica pregressa dele, a sua Lalingua, as miçangas que formaram o seu “eu” até aquele momento são estranhas e muito diferentes do histórico e da história na qual agora está mergulhado. Sou estranho, sou estrangeiro, esta é a sua nova realidade.
As piadas, metáfora, a história pregressa daquela comunidade, daquela cidade, estado e país ele desconhece. Os acontecimentos sociais, políticos, econômicos, não estão em seu poder, ele não lhes tem registro, não estão de posse desse sujeito- imigrante .
Não tem registro, em sua memória, estão armazenados suas vivencias do lugar de origem, que servirão de base e suporte para a sua sustentação no novo habitat.
São os registros originais que se constituirão no seu repertório do mundo interno. Ele fará um esforço para neutralizar estes registros, para poder assim reescrever sua nova história . Começa aí o empenho para o domínio da nova língua e suas significações.


III-Diferenças individuais como fatores importantes para vencer o desafio da Imigração
Para alguns, a imigração se constitui num desafio a ser vencido e a nova sociedade escolhida para viver é vista como uma nova possibilidade de desenvolvimento e crescimento.
Para esta pessoa, que sabe lidar com o novo, a experiência será enriquecedora e sua utilização conduzirá a um melhor desenvolvimento e crescimento.


Como é o perfil psíquico deste sujeito integrado?


A maturidade psíquica é um fator primordial o que significa ter os pés no chão, saber lidar com a realidade sem exagerar e nem diminuir os fatos e os acontecimentos. Se utilizar menos dos mecanismos de negação, fuga e se utilizar mais dos mecanismos de adaptação e de transformação do mundo externo através do trabalho e integração. A maturidade psíquica implica numa boa distribuição de energia, para os múltiplos papéis que o sujeito desempenha no seu meio familiar, profissional e social. Carregar mais do que o necessário um dos papéis, dar-lhe mais peso do que o necessário naquele momento é sintoma e consequência de uma desorganização mental interna.
Por exemplo, o imigrante tende mais a enfatizar, priorizar o trabalho, o econômico, e muitas vezes a abandonar o afetivo e o familiar( neste caso não só o imigrante).Este comportamento tende a desequilibrar o seu cotidiano e certamente gerará uma desorganização que irá ser sentida por ele e pelos que o cercam. Saber distribuir o melhor possível a energia e dar a devida prioridade a cada papel é o ideal a ser atingido por cada ser humano.
O sujeito maduro saberá melhor que outros a arcar com essa tarefa e cumprirá melhor seus propósitos, diferente daquele, menos desenvolvido e menos preparado emocionalmente.
Para o imigrante frágil emocionalmente, e logo menos desenvolvido, esta experiência poderá ser vivida desde o difícil até o traumático.
Situações de medo, temor, reticências, isolamento, depressões profundas, negações da realidade e refúgio no álcool, na droga e no jogo são alguns dos possíveis comportamentos encontrados em diferentes indivíduos que assim manifestaram a sua neurose em decorrência da imigração.
Além desses sintomas mais fortes, alguns ainda podem se comportar com mecanismos de fuga e ou negação frente às novas experiências a serem vividas.

As novas gerações na imigração


O filho do imigrante trás em si uma porção de marcas, nele impregnadas graças ao processo adaptativo vivido pelos pais. O filho tende sempre a se mostrar principalmente na adolescência, em oposição ao pai. Por exemplo:
Filho de pai palmeirense pode querer torcer pelo São Paulo.
Pai politicamente de direita, filhos de esquerda. Porque?


Essas diferenças manifestadas através do confronto pai x filho, primeiro servem para promover a separação simbólica necessária entre identidade do pai e do filho que o amor demasiado pode comprometer.
Na questão política, o que temos notado é que os filhos se identificam com facilidade com a população local e suas aspirações. Enquanto que os pais se identificam com a continuidade, o poder constituído, com a linha burocrática, clássica, com o conservadorismo...
Sabemos que os filhos mantém uma relação mais sadia com o seu
meio, conquistando nele espaços e posições onde podem expressar suas potencialidades e realizar-se pessoal, social e politicamente.
Enquanto os pais sentem este espaço um tanto quanto distante deles e de suas aspirações. A relação do pai imigrante é com os outros imigrantes, com quem naturalmente se identifica e à exceção da relação profissional que exige um contato com todas as camadas da população, o imigrante restringirá seus contatos aos parentes, outros imigrantes como ele, representantes diplomáticos e oficiais e a todas as pessoas que de uma forma ou outra aprendem a superar melhor o luto resultante da imigração.
Detectamos aí o início do conflito familiar na imigração.
Os pais com uma formação e com dificuldades muitas vezes de passa-la para os filhos.
Filhos necessitando se afastar dos pais e de sua história diferente para serem aceitos no seu meio escolar, universitário, entre os amigos que viriam a conquistar.

ALGUNS DOS SINTOMAS EMOCIONAIS VIVIDOS PELOS FILHOS DOS IMIGRANTES
  1. Dificuldades de aprender os dois idiomas, resultando no gaguejar, por ser forçado a falar no idioma dos pais ( três anos de idade)
2-Esquecer o idioma paterno por negação da própria origem e de suas tradições.

3-Os filhos de imigrantes sentindo vergonha dos pais ao vê-los se expressar no idioma local com forte sotaque árabe.

4-Os nomes que são carregados dos significados da terra de origem dos pais , é motivo de chacota para os filhos... muitos quiseram mudar seus nomes.

5-Os pais com dificuldades de chegar aos filhos e criando assim uma barreira intransponível no relacionamento principalmente com o filho adolescente. Este vazio de relacionamento, e o afastamento entre pais adolescentes pode ser perigosamente preenchido por vícios muito presentes no mundo escolar e adolescente.

6- Esquecimento brusco da língua paterna e a negação dos valores importantes dos pais e da história pregressa dele e de sua terra e de sua família.

ALGUNS DOS COMPORTAMENTOS MAIS COMUNS ENCONTRADOS NOS IMIGRANTES

- Dificuldades de se aprender a língua local;

- Negação da nova sociedade onde se escolheu para viver;

- Resistência a se deixar cativar pelo novo habitat por medo da perda da individualidade e da própria identidade;

- Dificuldade em se manter novos relacionamentos por preconceitos sobre o povo daquela localidade.
( As diferenças culturais, são aspectos normais em decorrência do estilo e da natureza de cada povo e de cada etnia. Quando tomamos contato com qualquer cultura diferente da nossa, a primeira reação é de ter um conceito antecipado, por isso chamado de pré – conceito sobre os aspectos diferenciados da nossa cultura.)

_ Contínua reafirmação da identidade nacional original demonstrada na comparação compulsiva entre o aqui ( terra da imigração)e o lá ( terra de origem).

- a dificuldade em integrar-se corpo e mente aos 5 sentidos naturais- o paladar, o olfato, o tato, a visão, e a audição- quando esta dificuldade estiver vencida, o desafio da imigração foi superado.

- Quando o imigrante consegue se comunicar com os cidadãos ao seu redor, com o novo idioma adquirido, ao invés de se tornar participante e ativo no processo político local, ele tenta se utilizar de seus novos relacionamentos em favor da causa de seu país de origem.

Devo salienta que muitos desses sintomas e desajustes não são tão somente decorrentes da imigração. Cada caso é um caso particular e deverá ser tratado com a sua singularidade.
Porém a imigração é um enigma a ser decifrado e integrado ao código do filho. Isto é, caberá aos pais, professores e psicoterapeutas conduzir este jovem pelo caminho trilhado pelo pai, coloca-lo em contato com o seu recalcado com o que ele precisou esquecer e que considera a causa essencial de seu infortúnio, de sua diferença. 
Levá-lo a avaliar o seu passado a sua família, a sua história e a de seus pais , a avaliar e a tomar contato com a sua tradição, pois será no ato de resolver, de separar, de escolher, de peneirar, o que ele deve descartar ou aquilo que ele deve manter, do antigo, da tradição, da herança, trabalhando para integrá-la no seu cotidiano, na sua vida atual.

São Paulo,22 de junho de 1989
Claude Fahd Hajjar
Palestra no Centro Cultural Árabe Sírio




























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