sábado, 9 de junho de 2018

V° centenário do encontro de duas culturas de Fearab América:Reminescências árabes na Europa dos descobrimentos

Por Claude Fahd Hajjar*

O legado do mundo árabe medieval à grande corrente da história da humanidade necessita de uma pesquisa minuciosa e de uma análise cuidadosa. Os trabalhos do V centenário do encontro de duas culturas têm como objetivo, iniciar o estudo deste tema e aprofundar o seu desenvolvimento para que venha a abranger não apenas a sua anônima contribuição à história do pensamento científico moderno.

Durante 700 anos, a língua árabe foi a depositária da memória cultural, científica, artística, filosófica e comercial da humanidade. Nenhum outro período histórico anterior a este conseguiu reunir por tanto tempo o saber e o conhecimento humano e servir de guardião e de transmissor do legado civilizador da humanidade. Da Ásia à Ásia menor, do norte da África e por toda a Europa, o Árabe esteve presente, recebeu e doou cultura e saber, assimilou conhecimento e os transmitiu.

Este trabalho tentará responder a três perguntas fundamentais:
  1. Por que coube ao mundo árabe medieval ser o depositário da herança científica e cultural do Mundo Antigo e ser o seu transmissor na Idade Média?
  2. Por que outros povos, e em especial o povo romano, não se ocuparam destas tarefas?
  3. Qual foi a real contribuição do Mundo Árabe Medieval à história do pensamento científico moderno?
Primeira questão: Por que coube ao mundo árabe medieval ser o depositário da herança científica e cultural do Mundo Antigo e ser o seu transmissor na Idade Média?

O primeiro fator que determinou e impulsionou a atividade científica do mundo Árabe medieval, foi o perfil psicológico do conquistador árabe da Península, isto é, o guerreiro, o desbravador, o lutador, características que se somaram à história pregressa da região da Síria milenar, cujo inconsciente coletivo carrega a amálgama do acervo cultural de diferentes povos, como o da Pérsia, da Índia, do Egito, e da Grécia antiga.

O segundo fator foi a própria religião Islâmica e o legado do Alcorão que estimulou o interesse científico, pois orienta os fiéis a observar o céu e a terra, para encontrar na natureza provas em favor da fé. A tradição Islâmica, não se cansa de elogiar a ciência.

Encontramos no “Hadisse” uma série de recomendações concernentes à medicina a remédios e à legitimidade de usá-los. Estas recomendações foram utilizadas pelos intelectuais árabes para justificarem sua atividade e alimentar sua sede de saber, investigar e assimilar novos conhecimentos, principalmente na primeira fase da expansão árabe onde cada nova região conquistada possuía segredos e mistérios a serem desvendados e nossos conhecimentos a serem apreendidos.

Outro fator, é ser o herdeiro da Grécia Antiga, o que constituí mais que um motivo de honra para a civilização do mundo Árabe Medieval – significa um alto nível de consciência de si e da aceitação de sua missão de mantendedores e de divulgadores da mentalidade e do patrimônio científico daquele povo.

Outro fator decisivo desse progresso científico foi a consciência e vontade na utilização da energia positiva que emanava deles, novos vencedores. Na busca da assimilação e do desenvolvimento de todo acervo científico e cultural da Grécia antiga.

O processo, a continuidade, a utilização da potência e da força do vencedor, a verdadeira consciência que homem e natureza devem ser estudados e compreendidos para forjarem um mundo melhor. Tanto o Estado Civil quanto o Estado religioso, aliados aos detentores do poder econômico, não mediram investimentos para atualizar, traduzir, divulgar, e desenvolver o pensamento científico da Grécia Antiga.

Segunda Questão: Por que outros povos, e em especial o povo Romano não se encarregou desta tarefa?

Considerações sobre algumas diferenças entre o Império Romano e o Império Árabe, no que diz respeito à ciência e filosofia.

O Império Romano se destacou pelas grandes conquistas, pela potência e extensão de seus domínios. Foi um construtor de marcos arquitetônicos de estílo inconfundível, nos legou monumentos importantes, estimulou as trocas comerciais, unificou interesses na África, no Mediterraneo e Oriente Próximo.

Foi um Império legislador, regendo a sociedade civil através da lei e do direito. A organização do estado e a representação democrática do povo através do Senado e das Câmaras livres foi instituída durante este Império.

A produção agrícola, o cultivo da terra, enfim toda a parte prática do cotidiano, o povo romano possuía e desenvolvia. Porém o imaginativo, o projetivo, o ideativo, o teórico, o científico, estes atributos faltaram àquele povo Romano.

Ciência e filosofia são áreas que necessitam dos atributos da reflexão, teorização, e projeção simbólica. Estas áreas necessitam de questionamentos e de indagações que transcendem o imediato. A especulação científica e filosófica requer a crença no amanhã, requer ainda uma capacidade de pensar e refletir o hoje possa nos conduzir a nova conquista no amanhã. A natureza prática e imediatista do povo Romano e de seus governantes, estava distante disto.

Quando o Império Árabe se expandiu até a Europa no século VIII, esta já vivia a Idade Média da história da civilização. A maior parte dos países hoje conhecidos e que formaram a Europa atual, iniciaram sua condição de Estados no final do século IX, como França e Alemanha.

A primeira fase da história Árabe muçulmana teve início em 654 e a duração de um século, este foi o período Omaíada cuja Capital Damascos, foi o centro político e econômico da época.

Foi com o declínio do poder de Damascos e a mudança da sede do poder para Bagdá, que a dinastia Omaíada mudou-se para a Espanha, onde desde 711 possuía já domínio e poder. Foram os Árabes da Síria, e sob a égide dos governantes Omaíadas que se tornaram senhores da África Setentrional e da Espanha.

Os Califas da Dinastia dos Abassídas dominaram a parte oriental do Mundo Islâmico durante os 500 anos seguintes.

No início do século IX, conforme Philip Hitty, “setenta e cinco anos após a fundação de Bagdad, o mundo que lia árabe conhecia os principais trabalhos filosóficos de Aristóteles, os mais importantes comentadores neoplatonicos e também as obras científicas persas e hindus...A influencia grega alcançou seu ponto mais alto no governo de Al Mahmun. As tendências racionalistas deste Califa levaram-no aos trabalhos filosóficos gregos, à procura de justificação para o seu ponto de vista, deque os textos religiosos devem concordar com o julgamento da razão....”

Para o filósofo francês Alexandre Koiré, “não basta saber grego para compreender Aristóteles ou Platão- eis aí um erro freqüente entre os filólogos clássicos-; é preciso, além disso, saber filosofia...”
“ Em 830, Al Mahmun estabeleceu em Bagdad sua famosa “Casa da Sabedoria” uma combinação de biblioteca, academia e escritório de traduções, que foi, sob vários aspectos, a instituição educacional mais importante desde a fundação do museu de Alexandria, na primeira metade do século III antes de cristo”.

Foi no período de Al Mahmun que foram traduzidas as obras de Galeno,Hipócrates e Dioscórides, Platão e Aristóteles. O brilhante tradutor Hunayan (Joanício - 809-873) traduziu para o Siríaco e para o Árabe, quase toda a produção científica de Galeno.

Os sete livros de anatomia deste autor, perdidos no original grego, foram felizmente preservados em árabe.

Para Hitty, “...tudo isto aconteceu numa época em que a Europa ignorava quase totalmente a ciência e o pensamento dos gregos. Pois, enquanto AL Rashid e Almahmun estavam estudando as filosofias grega e persa, seus contemporâneos do Ocidente, Carlos Magno e seus nobres, estavam engatinhando na arte de escrever os seus nomes”.

Para Koiré, “ A barbárie medieval, econômica e política, teve como origem... a ruptura de relações entre Oriente e Ocidente, entre o mundo latino e o mundo grego.
E é o mesmo movimento - a falta de relações com o oriente helênico - que produziu a barbárie intelectual do ocidente”.

Esta ruptura se deve à ausência e “indiferença quase total dos Romanos pela ciência e pela filosofia. Os Romanos se interessam pelas coisas práticas: a agricultura, o direito, a moral. Mas, por mais que procuremos, em toda a literatura latina clássica, uma obra científica digna desse nome, não a encontramos; muito menos uma obra filosófica. Encontraremos, Plínio, Seneca, Cícero ou Macrobino, porém nada que pudesse revelar um espírito de investigação e de ciência, um verdadeiro espírito da busca do saber. O mais surpreendente, é que nem as traduções do grego para o latim foram realizadas. Nem Platão, nem Aristóteles, nem Euclides, nem Arquimedes, jamais foram traduzidos para o latim, durante a época clássica.”

A retomada das relações entre oriente e ocidente foi realizada pelo mundo árabe medieval, que ao traduzir inúmeras obras do patrimônio universal, se fixou mais na herança helênica e manteve em língua árabe todo o saber do mundo antigo. A retomada de contato com o pensamento antigo, foi que impulsionou o desenvolvimento da filosofia medieval. Na Idade Média, o oriente não era mais grego, era árabe. “Assim, foram os árabes os mestres e educadores do ocidente latino”.

Terceira questão: ”Qual foi a real contribuição do mundo árabe medieval à História do Pensamento Científico moderno?”

Ao responder a esta questão, estarei desenvolvendo todo o percurso da trama de retomada das relações entre Oriente e Ocidente que foi realizada pelo Mundo Árabe Medieval.

Quando em754, os Abassidas tomaram o poder dos Omaíadas, o mundo árabe perdeu sua hegemonia. Construíu ainda a sua idade de ouro, porém 100 anos depois, teve início seu declínio, cujas conseqüências nós seus herdeiros, estamos até hoje pagando o tributo.

Se por um lado, a divergência Omaíada - Abassída foi negativa e letal para o mundo árabe em geral, ela ainda assim, pôde ser extremamente benéfica para o mundo ocidental.
A contribuição árabe oriental, isto é, a chamada idade de ouro da civilização árabe, foi desenvolvida pelo califado Abassída. Porém, foram os Omaíadas que transportaram a língua árabe com todo o acervo cultural da região Síria à Espanha.

O Império Árabe Ocidental, teve início na Espanha em 756, quando Abd Al Rahman I funda o emirado Omaíada de Córdoba. Para o Ocidente, a importância deste período.

É muito mais intensa, pois foi a partir da Espanha muçulmana que partiu a cultura árabe, interpretando a cultura cristã dos princípios da Idade Média e produzindo a civilização de hoje
A disputa de poder entre Abassídas e Omaíadas teve como aliado dos Abassídas Carlos Magno inimigo natural de Abd AL Rahman I, Emir da Espanha.

A disputa entre vizinhos, foi vencida pelo Emirado Árabe Ocidental, alcançando a primasia sobre Francos em uma batalha em 778.

Consolidado e pacificado o reino de, Abd Al Rahman I, passou a interessar-se pelas artes da paz, onde pode ser tão grande como a guerra.

Teve inicio aí a construção da Espanha:

- Embelezou as cidades sob o seu domínio;
- Construiu um aqueduto para fornecer água pura à capital.
- Iniciou a construção de uma muralha ao redor da cidade.
- Erigiu para si um palácio e um jardim similar ao palácio da Síria.
- Canalizou água para a sua residência, onde introduziu plantas exóticas como os pessegueiros e romaneiras. Importou palmeiras da Síria a quem mimava com ternos e nostálgicos versos.
- A grande mesquita de Córdoba foi inaugurada dois anos antes de sua morte, em 778- foi considerada o Santuário do Islamismo Ocidental.
- Construiu a ponte do “Guadaquivir” (O Grande Rio).

Abd Al Rahman I, diligentemente procurou unir em uma única nação árabe, sírios, berberes, numidas, hispano-árabes e godos. O início do movimento intelectual que fez da Espanha islamítica dos séculos IX ao XI, um dos grandes centros da cultura mundial, foi inaugurada por ele.

No século X, o califado Omaíada na Espanha, sob o poder de Abd Al Rahman chega ao seu apogeu. Córdoba passou a ser a cidade de maior cultura da Europa e, ao lado de Constantinopla e Bagdá, um dos três centros culturais do mundo.

-113 mil casas e 21 subúrbios;
-70 bibliotecas e inúmeras livrarias
-500 mil habitantes;
-700 mesquitas;
-300 casas de banho;
- quilômetros de ruas pavimentadas e iluminadas pelas luzes das casas que lhe davam acesso.

A Espanha deste período era um país prospero e rico e possuía:
- 13mil tecelões;
-Florescente indústria de couro; Know How que depois exportou para o Marrocos, França e Inglaterra.
- Teciam lã e seda. O bicho da seda foi trazido pelos mercadores árabes da China para a Espanha.
- Louças, utensílios em cobre e cerâmica eram produzidas em diferentes cidades espanholas.
-Ouro e prata eram extraídos em Jaer e Algarve.
-Ferro e cobre em Córdoba;
- Em Málaga, os Rubís.
- A arte da incrustração do aço e outros metais com o ouro e a prata e decorá-los com desenhos florais foi importada de Damasco.
-A agricultura foi estimulada por novos métodos trazidos da Ásia Menor;
-Cavaram canais, cultivaram vinhas e introduziram o arroz, o damasco, a romã,a laranja, a cana de açúcar, o algodão, o açafrão,..
- Sevilha importava, através de seu porto fluvial, tecidos e escravos, e exportava algodão, azeitonas e azeites.
-O serviço postal regular era privilégio do povo da Espanha.

O período de Al Hakam, sucessor de Abd Al Rahman III se notabilizou pela proteção à educação.
- Fundou 27 escolas livres em Córdoba.

 Ao dar um conceito liberal aos estudiosos, fez com que a Universidade de Córdoba ascender a uma proeminente posição em relação às demais instituições do mundo.

Estudantes cristãos e muçulmanos foram atraídos para estudar nela, não só da Espanha, mas de toda Europa, Ásia, e África.

Al Hakam ampliou a Mesquita que serviu de sede à Universidade e a enriqueceu com novos adornos, contratou professores orientais para ensinar nela, e destinou a eles verbas especiais para os salários.

A capital possuía uma grande biblioteca que foi enriquecida por AL Hakam, já que ele era um grande bibliófolo; seus agentes percorriam as livrarias de Alexandria, Damasco e Bagdad, com ordem de comprar e copiar manuscritos. Os livros reunidos chegaram a alcançar, segundo cálculos, 400 mil volumes.

O nível geral da cultura na Andaluzia era tão alto, nesta época, que um estudioso holandês, Doseg, chegou a declarar que “quase todos sabiam ler e escrever”.

Tudo isso acontecia enquanto a Europa cristã estava ainda adormecida.
Como já foi visto, enquanto o Califado Árabe Oriental se esmerava nas traduções das obras helênicas, persas e hindus seu rival, o califado Árabe Ocidental seguia o mesmo percurso e bebia da mesma fonte.

A retomada das relações entre Oriente e Ocidente se processou graças à luta do poder Árabe que pode favorecer tanto ao Oriente quanto ao Ocidente.

A Contribuição ao Ocidente

                                          Conhecer é voltar-se para trás, é, por essência uma regressão ao infinito”. (Wilhelm Friedrich Nietzche)


Os portais das instituições educativas da Espanha muçulmana ostentavam uma inscrição favorita:

“O mundo é sustentado por quatro coisas apenas:
   a sabedoria dos sábios,
   a justiça do grande,
   as preces do justo e a
   coragem do bravo”.  (Hitty, 1948, pg.149)

Porém, nem a justiça, nem a fé, nem a coragem, foram as virtudes que mais impressionaram a Europa; mas sim, a sabedoria árabe, esta , impregnou o pensamento europeu por muitas vias.

“A Espanha maometana escreveu um dos capítulos mais brilhantes na história intelectual da Europa medieval”. (Hitty, 1948, pg 149)

Entre os séculos VIII e XIII, como já foi assinalado, os povos que falavam o árabe eram por todo o mundo os principais portadores da tocha da cultura e da civilização, os agentes da ciência e da filosofia antigas que foi por eles recuperados, aumentada e transmitida, possibilitando assim o renascimento na Europa Ocidental.

As primeiras universidades do mundo não foram as de Paris, Oxford, ou de Chartres; mas sim, as de Córdoba, Granada, Sevilha e Málaga. A Universidade de Córdoba incluía entre seus departamentos, os de astronomia, matemática e medicina, além de teologia e direito. O número de alunos alcançava os milhares e eram procedentes da Espanha, do norte da África e de outras regiões da Europa.

A biblioteca que atendia à Universidade de Córdoba chegou a possuir mais de 400.000 obras. Semelhante número de livros não poderia existir se não houvesse a fabricação de papel local, que entrou na Europa via a Espanha no século XII.

E foi no século XII que a Europa Latina viu florescer as primeiras cidades e com elas as primeiras universidades.

O que era a Europa naquele período?

Conforme Jacques Le Goff: “quando o Ocidente não faz mais do que exportar matéria prima – embora comece a despertar o desenvolvimento têxtil- os produtos raros, os objetos de valor vêm do Oriente, de Bizâncio, de Damasco, de Bagdad, de Córdoba.
Com as especiarias e a seda, os manuscritos trazem para o Ocidente a cultura greco –árabe ” (s/d pg.33).

“...os caçadores cristãos de manuscritos gregos e árabes desfraldaram as velas até Palermo, onde os reis normandos da Sicília e depois Frederico II,com sua chancelaria trilingue – grega, latina e árabe – animam a primeira corte italiana corte italiana renascentista, precipitam-se sobre Toledo, reconquistada aos infiéis em 1087, onde os tradutores cristãos puseram mão à obra, sob a proteção do Arcebispo Raimundo (1125-1151)”(s/d pg. 33/34 Le Goff).

“Os tradutores, eis os pioneiros deste renascimento. O Ocidente já não entende o grego; Abelardo lamenta-o e exorta as religiosas do Paracleto a preencherem essa lacuna, ultrapassando desta forma os homens no domínio da cultura”

“A língua científica é o Latim. Originais árabes, versões árabes de textos gregos, originais gregos, são, portanto, traduzidos quer por indivíduos isolados, quer... por equipes” ( s/d pg.34 Le Goff)”.
O que impulsiona o Ocidente cristão primitivo, a estudar o árabe e a traduzir o Alcorão?

A célebre equipe de Pedro, O Venerável, que traduziu o Alcorão, ficou conhecida e seu objetivo era estudar o pensamento islâmico para poder guerreá-lo.

Assim se expressa Le Goff “... Pedro, O Venerável foi o primeiro a conceber a idéia de combater, não no terreno militar, mas no terreno intelectual. Para recusar sua doutrina, é necessário conhecê – la – e esta reflexão, que nos parece de uma evidencia total, é uma audácia neste tempo de cruzada” (Le Goff- pg. 34- s/d).

“No poder humano de transmitir, por meios sociais, sua ciência e arte, reside o segredo da maior parte do que é nobre e duradouro na civilização do homen.”(Hitty, 1948)

Não foi a esta realidade que assistiram os herdeiros da Espanha muçulmana.

Após 2 de janeiro de 1942, data da queda de Granada, tem início uma campanha para a queima e anulação do vestígio Árabe- islâmico da Espanha. Granada foi o cenário de uma fogueira de manuscritos árabes.

Neste mesmo período, após a queda de Constantinopla, quando o Império Otomano assume o poder em todo o Oriente Árabe Sírio, a biblioteca de Damasco foi inteiramente queimada e seus livros e manuscritos todos se perderam.

Assim, permaneceu até os dias de hoje anônima a contribuição árabe à medicina, matemática, astronomia, geografia, ótica, filosofia....manteve-se viva e atuante até meados do século XVII e XVIII, através das obras e compêndios trazidos para o Latim e o inglês.

Na verdade, a contribuição européia à história da ciência teve início justamente com o início do declínio árabe, isto é, século XIV e XV.

Os últimos 500 anos, justamente aqueles que o V centenário do Encontro de duas Culturas comemora, e ao qual estamos dando nossa contribuição, foram os mais obscuros e deturpadores do conhecimento humano.

O conjunto de monarquias e reinos que veriam a formar a Europa atual, estavam vivendo o seu nascimento enquanto sociedades organizadas.

Não resta a menor dúvida de que as Cruzadas tiveram como resultado a anulação do traço árabe na Europa, e sua completa negação como presença significativa no desenvolvimento e na formação da Europa contemporranea, sem esquecer o papel do conhecimento científico árabe na era dos descobrimentos, que conduziram a Europa a uma expansão nunca antes imaginada.

Quem tentar encontrar um sinal da presença árabe na Europa, sua contribuição para o Ocidente, ou quem tente entender o que são ou que foram, encontra o deserto do saber- não há em nenhum livro escolar, a não ser recordações simbólicas. Os professores, na classe, falam do valor e da riqueza da cultura árabe. As pesquisas que se fazem são desgastantes, pois pesquisamos 20 livros para encontrar 10 frases. Os bons livros, quase sempre são obras raras e de difícil acesso.

Hoje podemos responder à pergunta:

Porque os intelectuais do mundo são todos simpáticos à causa árabe?

A resposta é simples: Estes intelectuais tem acesso a obras e livros que o grande público ou mesmo o estudante secundarista não tem acesso . O intelectual é um pesquisador e estudioso nato, pesquisa por conta própria e na busca da origem do fato ou do texto acaba por se chocar com o tabu, com o proibido e o escamoteado e para o amante do saber, isto é um grande êxito e se transforma em um novo desafio que o conduzirá a novos descobrimentos. Porém estes conhecimentos continuam encaixotados, pouco utilizados, e sem divulgação pois não trazem dividendos e não interessam a quem fugiu deles durante V séculos.

Leão Kossovitch, citando Nietsche, diz: “....Só há criação de valores aonde existem diferenças. É por isso que as forças conspiradoras guerreiam contra a criação... o criador é a quem mais odeiam: aquele que quebra tabus e antigos valores... a estes é que chamam de criminoso...crucificam a quem escreve novos valores em tábuas novas”.

São Paulo, agosto de 1991

Apresentado em espanhol, na Reunião de Fearab América -Damasco - Síria por ocasião do início das festividades do “ V°Centenário do encontro de duas culturas”.

*Claude Fahd Hajjar, psicóloga psicanalista, autora do livro" Imigração Árabe 100 anos de Reflexão"
Diretora de Cultura de Fearab América e Coordenadora do "Vº Centenário do Descobrimento da América- Encontro de Duas Culturas" - (1990-1992)



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